Compatibilidade com EVM é importante para garantir interoperabilidade entre ecossistemas, apontam fontes ouvidas pelo Cointelegraph Brasil
As aplicações descentralizadas (dApps) criadas sobre a blockchain Ethereum somam US$ 25,1 bilhões em valor total alocado (TVL, na sigla em inglês) atualmente, apontam dados do DefiLlama. O montante representa 54% de todo o TVL do ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi).
Os dApps criados sobre o Ethereum utilizam a ferramenta conhecida como Ethereum Virtual Machine (EVM). Em suma, a EVM é responsável por habilitar a funcionalidade dos contratos inteligentes que dão vida a exchanges descentralizadas, aplicações de crédito, staking descentralizado e líquido, dentre outras.
Embora tenha sido criada para o ecossistema Ethereum, tornou-se comum ver blockchains criadas sobre outros modelos de infraestrutura buscando compatibilidade com EVM nos últimos anos. Ao Cointelegraph Brasil, pessoas familiares ao processo de integração de EVM em outros ecossistemas explicaram a importância desse movimento e comentaram seus riscos.
Variação do TVL da blockchain Ethereum entre 2021 e 2023. Imagem: DefiLlama
Um pouco mais de EVM
Para entender o funcionamento técnico da EVM e sua integração, é necessário começar pelos contratos inteligentes, aponta Jeff Prestes, consultor e desenvolvedor especialista em blockchain.
“Do ponto de vista tecnológico, um contrato inteligente é um programa de computador comum. Ele gera um código com comandos, e a máquina virtual do Ethereum interpreta”, explica Prestes. “É a mesma coisa com o Java: os desenvolvedores do Ethereum aplicaram a mesma lógica, já que a máquina virtual do Java lê comandos e executa de forma semelhante”, acrescenta.
O desenvolvedor salienta, porém, que esse sistema para interpretar comandos foi criado para funcionar dentro de um mecanismo de consenso e armazenamento próprio do Ethereum. Ao tentar replicar a EVM em outra estrutura, o processo pode resultar em falhas ou perda de eficiência, que é especialmente perceptível aos olhos de desenvolvedores de dApps.
Tornar uma blockchain compatível com EVM, portanto, é um processo que varia de acordo com a infraestrutura na qual a máquina virtual será inserida.
Busca por interoperabilidade
Prestes conta que a integração de EVM é uma movimentação que visa ligar diferentes ecossistemas ao Ethereum. Essas iniciativas criam um movimento de interoperabilidade no ecossistema descentralizado que, para o desenvolvedor, não são o futuro: ele já é o presente.
Uma recente iniciativa nesse sentido foi a decisão da Ripple de criar uma sidechain compatível com EVM, que será conectada à XRP Ledger, blockchain nativa do ativo digital XRP. O movimento foi noticiado pelo Cointelegraph em outubro deste ano.
Abner Pinto, da área de Developer Relations da Ripple, explica que a XRP Ledger surgiu com uma proposta de velocidade, segurança e estabilidade. Em sua visão inicial, então, o projeto optou por deixar de lado a complexidade dos contratos inteligentes.
Em 2021, contudo, a Ripple reconheceu a importância dos contratos inteligentes e, em parceria com a Peersyst, introduziu a ideia de uma sidechain compatível com EVM.
“Esta atualização nos permitiu trazer os contratos inteligentes para o ecossistema da XRP Ledger, reduzindo significativamente as barreiras de entrada para desenvolvedores ansiosos para criar aplicações, especificamente em DeFi, com interoperabilidade entre a XRP Ledger e a nova sidechain”, explica o porta-voz da Ripple.
Na prática, isso significa que desenvolvedores podem criar as mesmas aplicações descentralizadas presentes sobre o Ethereum dentro do ecossistema XRP Ledger e com suas características. Com a introdução da compatibilidade com EVM, o ecossistema da XRP Ledger pode receber dApps já consolidados no Ethereum.
“Essencialmente, esta atualização significa que os desenvolvedores não precisam mais escolher entre o nosso ecosistema ou blockchains compatíveis com EVM; eles podem agora desfrutar do melhor dos dois mundos”, acrescenta Pinto.
Compatibilidade entre XRP Ledger e sidechain. Imagem: dev.to
Outro exemplo relevante de compatibilidade com EVM é a Moonbeam, uma das maiores parachains do ecossistema Polkadot em termos de TVL. Thiago de Castro Neves, membro da Fundação Moonbeam, avalia que EVM e Solidity representam a plataforma de contratos inteligentes e linguagem de programação dominante na Web3, respectivamente.
“Ao trazer EVM para a Polkadot, a Moonbeam atrai a mais ampla base de desenvolvedores, que se traduz em mais aplicações lançadas e mais atividade”, explica Castro Neves. “E essa estratégia também está alinhada com a visão geral da Moonbeam de interoperabilidade: a crença de que o futuro será multi-chain [diferentes blockchains]”, acrescenta.
O uso dos padrões mais comuns da Web3, portanto, é algo que reduz as barreiras de entrada a novos ecossistemas, como a Polkadot, diz Castro Neves. As características da rede, no entanto, são mantidas, indo além da compatibilidade com EVM.
Como exemplo, Castro Neves cita a função Batch, nativa da Polkadot, que permite agregar diferentes operações em uma única ‘chamada’ encaminhada ao contrato inteligente. Isso reduz custos e agiliza a execução de transações, diz o membro da Fundação Moonbeam. Outra função própria da Polkadot é o ‘CallPermit’, que viabiliza a realização de operações sem taxas para o usuário.
“Além disso, como a Moonbeam é implementada na Polkadot, melhorias contínuas e novas funcionalidades podem ser incorporadas através de atualizações ‘forkless’, ou seja, de maneira fluida e contínua. E isso permite a melhoria e expansão das funcionalidades EVM de maneira muito mais eficiente que a maioria das blockchains disponíveis”, comenta Castro Neves.
Em menos de dois anos desde o lançamento, Castro Neves diz que a Moonbeam já realizou mais de trinta melhorias.
Imagem destacando presença da EVM no ecossistema Polkadot através da Moonbeam. Imagem: The Crypto Masters Guide
Riscos do processo
A compatibilidade com EVM, conforme já destacou Jeff Prestes, não é um processo livre de riscos. O funcionamento da blockchain pode ser diretamente afetado, caso alguma falha no processo de compatibilidade prejudique a comunicação com a infraestrutura na qual a EVM foi inserida.
Foi por isso que, segundo Abner Pinto, a opção da Ripple foi criar uma sidechain compatível com a máquina virtual do Ethereum.
“Esta sidechain opera paralelamente à blockchain principal, permitindo tanto a funcionalidade independente quanto a interação com o blockchain original”, explica Pinto. Nesse cenário, então, eventuais problemas podem ser contidos na sidechain até serem solucionados.
Esse modelo, contudo, cria novos desafios, como garantir que a sidechain mantenha os padrões de velocidade, eficiência e segurança da blockchain nativa ao executar e validar transações, explica o Developer Relations da Ripple.
Além disso, a sidechain compatível com EVM e a XRP Ledger estão conectados por uma ponte, criando a necessidade de garantir a segurança nessa via de comunicação. Pinto diz que as melhores práticas de segurança do mercado são aplicadas para proteger este canal.
Thiago de Castro Neves, da Moonbeam, reconhece que criar compatibilidade com EVM não é um procedimento fácil. Não se trata apenas dos riscos de comunicação entre as camadas da rede, mas também de tornar fluida a experiência dos desenvolvedores.
“Para fornecer aos desenvolvedores uma experiência EVM perfeita, a equipe de desenvolvimento da Moonbeam criou um framework que abstrai os componentes de Substrate, a infraesutrura da Polkadot, para gerar um fluxo baseado em EVM. Em outras palavras, toda vez que um usuário realiza uma transação na rede, ele utiliza a ‘camada superior’ de EVM, que é então traduzida para uma ou mais transações em Substrate na Moonbeam”, conta Castro Neves.
Cientes dos riscos, o membro da Fundação Moonbeam conta que cada componente e recurso da rede passou por uma “extensa auditoria de segurança”, além de diversos testes para assegurar a conformidade do funcionamento. A Moonbeam também criou um programa de recompensas na plataforma Immunefi, incentivando a descoberta de possíveis falhas na rede por desenvolvedores independentes.
Por fim, Castro Neves aponta para a existência da Moonriver, rede-irmã da Moonbeam. Antes de serem implementados diretamente na parachain da Polkadot, os recursos e componentes são testados na Moonriver. Não se trata, porém, de uma rede de testes: a Moonriver é uma rede incentivada e plena.
“A maioria das redes dependem exclusivamente das suas redes de teste, conhecidas como ‘testnets’”, mas isso não os prepara para situações do mundo real, como hacks, exploração de vulnerabilidades e alto volume de transações. A Moonriver permite tudo isso”, conclui Castro Neves.
Fonte: https://br.cointelegraph.com/news/interoperability-and-evm-experts-explain-importance-of-compatibility-with-ethereum-virtual-machine