Uma revolução silenciosa está ocorrendo diante de nossos olhos. À medida que mais pessoas adentram o mercado de criptomoedas, empresas avaliadas em bilhões de dólares estão consumindo e vendendo dados de todas as transações de Bitcoin, Ether, NFTs e tokens para governos, regimes autoritários e outras empresas privadas.
Na segunda-feira (10), a Arkham, primeira corretora de dados voltada para o mercado de criptomoedas, foi lançada. Armada com ferramentas avançadas de pesquisa, análise e segmentação de dados, a Arkham Intel agora permite que os usuários comprem e vendam informações sobre carteiras específicas.
Isso significa que um analista de dados no blockchain pode vender informações sobre uma determinada carteira para jornalistas, pesquisadores ou traders.
O ARKM: o criptoativo que alimenta uma indústria bilionária
O funcionamento do sistema é simples: quem solicita os dados paga um valor àquele que fornece a resposta correta.
Por exemplo, é possível solicitar informações sobre os fundos em Bitcoin da falida FTX e para onde eles foram. Quem conseguir fornecer esses dados ganha uma recompensa.
“Construímos a Intel Exchange depois de perceber duas tendências:
1. Demanda significativa por análises on-chain de traders, investidores, jornalistas, pesquisadores e protocolos
2. O crescente número de talentosos detetives on-chain que participam de nossa comunidade todos os dias”, declarou a Arkham.
Todo esse ecossistema de revelação de informações sobre endereços de criptomoedas e seus usuários será movido por um novo token chamado ARKM. Programado para ser distribuído na Binance em 18 de julho, este criptoativo será usado em contratos inteligentes para negociação de dados.
Esta será a primeira vez que os usuários de criptomoedas poderão lucrar com a transparência inerente à maioria dos blockchains. Empresas do setor já faturam milhões com os dados disponíveis no blockchain.
A possibilidade de explorar dados do blockchain e lucrar com isso não é uma novidade. A ChainAlysis, uma empresa com valor de mercado estimado em US$8,6 bilhões e lucros na casa dos milhões, começou seu negócio de monitoramento de dados no blockchain em 2014, vendendo todos os tipos de dados do mercado de criptomoedas para empresas e governos.
Os produtos são diversos e vão desde ferramentas específicas para ajudar governos a rastrear alvos, até dados para as empresas aprimorarem o conhecimento sobre os clientes. Por exemplo, o ChainAlysis Business Data é um produto que pode segmentar e fornecer informações de clientes.
Em um recente artigo em seu blog oficial, a empresa explicou que a segmentação de usuários para as corretoras de criptomoedas só é possível graças à transparência das criptomoedas.
“A transparência inerente da criptomoeda permite que as exchanges segmentem de forma mais eficaz do que em qualquer outro setor”, afirmou a empresa.
Blockchain: um tesouro de dados como nunca antes visto
Essa transparência já era conhecida desde o anúncio do Bitcoin em 2008. Naquela época, já se tinha ciência dos problemas de privacidade de um sistema transacional em blockchain. O próprio White Paper do Bitcoin alertava que todas as transações poderiam ser rastreadas.
“O modelo bancário tradicional alcança um nível de privacidade limitando o acesso à informação apenas às partes envolvidas e à terceira parte confiável. A necessidade de anunciar todas as transações publicamente impede esse método…” – escreveu Satoshi Nakamoto no paper do Bitcoin.
Em comparação com o sistema bancário tradicional, seria como se todas as suas transações, que vão desde a compra de um pão na padaria até a compra de um carro ou casa, fossem públicas. Mas, em vez de mostrar seu nome, as transações mostrariam apenas sua conta bancária. Isso significa que qualquer pessoa que associe a conta bancária à identidade poderia conhecer todas as transações passadas e futuras.
Como resultado, as transações são visíveis nos blockchains do Bitcoin, Ethereum, Litecoin, Nano, Dash e nas principais criptomoedas. Isso abriu a possibilidade para empresas e investidores explorarem esses dados para antecipar movimentos de mercado.
Até o momento, são mais de 750 milhões de transações no blockchain do Bitcoin e 1,3 bilhão no Ethereum.
Perfis como o Whale Alert monitoram grandes transações em dezenas de blockchains e divulgam algumas delas no Twitter. Assim, os investidores conseguem saber o que grandes compradores/vendedores estão fazendo.
Já empresas como Santiment e Glassnode cruzam diversos dados, inclusive de redes sociais, para fornecer análises complexas envolvendo mineradores, exchanges e diversos segmentos de usuários de criptomoedas.
Outra grande aplicação dessa capacidade está no reconhecimento de transações suspeitas por bancos, corretoras de bitcoin, emissoras de ativos digitais e negociadores diversos. Ao reconhecer os fundos de golpistas ou endereços indesejados, as corretoras podem congelar os saldos.
Para Paulo Orione, co-fundador e CMO da plataforma de integração de dados on-chain e off-chain VAAS – que tem como parceiras a B3 e a Neoway, o monitoramento de dados on-chain contribui para a credibilidade do mercado de criptomoedas.
“O monitoramento de dados on-chain torna-se cada vez mais indispensável no mercado de ativos digitais. Eles oferecem insights cruciais sobre padrões de transação, comportamento e compliance, impulsionando a segurança, adoção e a credibilidade das criptomoedas.”
E, de olho em todas essas possibilidades, grandes bancos e corretoras estão investindo dezenas de milhões de dólares.
Investimentos substanciais de grandes bancos
A lista de investimentos e aquisições conhecidas chega a ser surpreendente:
- Em 2021 a Mastercard comprou CipherTrace, outra empresa de análise de blockchain que usa inteligência artificial para análise de dados onchain.
- Em 2022 o Morgan Stanley investiu US$60 milhões na Elliptic, uma empresa de análise de dados em blockchain que auxilia instituições financeiras a cumprir as regulamentações de combate à lavagem de dinheiro.
- Também em 2022, a Blackstone e o Bank of New York Mellon investiram US$170 milhões na Chainalysis, uma empresa de análise de blockchain que auxilia as forças policiais a rastrear transações de criptomoedas.
- O Standard Chartered investiu na Crystal Blockchain, uma empresa de análise de blockchain que ajuda as empresas a gerenciar seus riscos relacionados a criptomoedas.
Em 2019, a conhecida corretora Coinbase, comprou a startup italiana de monitoramento Neutrino. Os clientes da corretora se revoltaram ao descobrirem que os criadores da startup foram os responsáveis por vender soluções para monitorar jornalistas, dissidentes políticos e ativistas.
Embora os bancos, exchanges e grandes corporações estejam capitalizando com a vastidão de transações e dados on-chain, existe uma resistência robusta e determinada emergindo em resposta a este fenômeno.
Reação cypherpunk pode acabar com monitoramento
Emergem respostas vigorosas para salvaguardar a privacidade dos dados contra o crescente monitoramento on-chain. Diversos fronts estão se formando em resposta à crescente demanda por privacidade e anonimato.
No dia 26 de julho de 2023, Vitalik Buterin, o criador do Ethereum, apresentou um artigo propondo a implementação de um protocolo que potencialmente tornaria provável a segmentação de usuários no blockchain do Ethereum.
Em uma abordagem semelhante, os desenvolvedores da Litecoin introduziram um blockchain auxiliar enriquecido com recursos avançados de privacidade.
No universo do Bitcoin, a carteira Samourai Wallet tem sido pioneira na implementação de funcionalidades de “mixagem de Bitcoin”, além de estar avançando em um novo padrão para endereços de pagamentos mais privados, conhecidos como PayNym.
No entanto, para Ricardo Spagni, ex-desenvolvedor do Monero (XMR), uma das principais moedas de privacidade do mercado cripto, a resposta para evitar a negociação de dados e informações pessoais é “abandonar os blockchains transparentes e adotar tecnologias que aprimorem a privacidade“.
Em vez de propostas paliativas ou meros esboços de possíveis futuros desenvolvimentos, já existem soluções concretas para privacidade em blockchain.
Destaca-se a criptomoeda Monero, com um valor de mercado estimado em R$ 10 bilhões e quase uma década de existência. O Monero consegue ocultar as quantias negociadas, a direção desses valores e a identidade dos emissores. As tecnologias utilizadas, explicadas em um vídeo do Cointimes, resultam em um blockchain opaco que inviabiliza o monitoramento de dados.
Já a criptomoeda Zcash oferece aos usuários a opção de ocultar ou não seus dados transacionais, complicando enormemente o trabalho de empresas e governos de acessar essas informações.
Como Lucrar com o Mercado Bilionário de Dados On-Chain
Cada solução, seja ela focada no monitoramento ou na privacidade, tem seu público e espaço no mercado.
A beleza do livre mercado de moedas digitais é a capacidade de apostar em diferentes tecnologias sem interferência governamental.
Para aqueles que acreditam nas soluções de monitoramento, é possível investir no token ARKM por meio do Binance Launchpad.
Por outro lado, aqueles que veem um futuro com mais privacidade podem optar por adquirir Monero ou Zcash, ou simplesmente utilizar tecnologias como os Paynyms da Samourai Wallet.